Ouvidor declara que a Igreja está em mudança e quer comunidades comprometidas

24-04-2016 15:53
  1. Quais os desafios que se colocam hoje à sua Ouvidoria?

 

Digamos que os desafios que se colocam hoje são os mesmos que são colocam a toda a Igreja Universal. O Papa Francisco desde o inicio do seu pontificado nos tem brindado com temas fortes e que nos tem feito pensar muito e nos tem desafiado a um maior crescimento missionário, cristão e familiar.

Digo crescimento missionário atendendo que temos de proporcionar hoje, mesmo dentro das nossas comunidades, a partida ao encontro do “outro”. Daqueles que vivem descartados da sociedade. Ir ao encontro daqueles que estão feridos e que precisam que tratemos das mesmas. É a imagem que Cristo nos dá na parábola do bom samaritano (Lc 10,30-37).

Cristão atendendo um Jubileu Extraordinário da Misericórdia a decorrer desde o dia 8 de dezembro do ano passado e no qual o Santo Padre nos convida a vivernos neste ano que, é por excelência um ano da Graça do Senhor. Com isto o Papa Francisco quer dar-nos a conhecer o Amor que Deus sente por cada um de nós. E mais. Incentiva-nos a que, depois de bebermos deste Amor, o levemos aos nossos irmão. Principalmente àqueles que não suportamos nas nossas casas, no trabalho, na nossa comunidade e, porque não, no movimento da igreja a que pertenço?

Sinto a igreja num profundo amadurecimento interior mas com isto não descora o compromisso das comunidades a aderir este mesmo amadurecimento que não passa de uma abertura unicamente permissiva. Seria um erro olharmos assim para a Igreja. Daí fala-se no terceiro ponto fundamental para a sociedade dos nossos dias, a familia. À dias saiu a segunda Exortação Apostólica do Papa Francisco – Amoris Laetitia – “A Alegria do Amor” –, uma Exortação pós-sinodal que nos transmite uma realidade dos problemas mundais pelos quais a familia passa. É pois numa sintese de troca de experiências que a igreja amadurece o seu pensar e apresenta uma proposta, um convite à mudança. Tenhamos em atenção um ponto fundamental, não é Deus que tem de mudar, pois Deus é perfeito, nós é que, se queremos ser felizes teremos de seguir um caminho apresentado por Ele. E a igreja como instrumento de salvação no mundo, porque ela não se anuncia a si mesma, mas Aquele que a fundou, tem como função primária apresentar esta mesma proposta à mudança, ao amor, à felicidade.

É nesta perspectiva que vejos os três grandes desafios pelos quais as comunidades da ouvidoria terão de amadurecer e crescer para sermos todos uma igreja mais harmoniosa e com maior consciência dos valores cristãos comprometendo-se com os mesmos.

 

  1. Como sente a Ouvidoria a celebrar 100 anos?

 

Neste momento sinto que a ouvidoria está a criar a sua própria identidade atendendo que há paróquias que hoje fazem parte da ouvidoria e, até bem pouco tempo, ano de 2013, pertenciam à ouvidoria da Ribeira Grande, como é o caso das paróquias de Porto Formoso e São Brás.

Anteriormente a Ouvidoria começava na Maia e terminava nas Feteiras (grande e pequena). Só no ano de 2013 por decreto, e após ter ouvido a população das paróquias, em Visita Pastoral, D. António decidiu passar para a Ouvidoria do Nordeste as paróquias que correspondeiam ao mesmo concelho: Salga, Achadinha, Achada e Santana. Desconexando as paróquias do Porto Formoso e São Brás da Ouvidoria da Ribeira Grande e integrando-as nesta Ouvidoria dos Fenais da Vera Cruz. Deste modo, a minha primeira preocupação junto com os meus colegas, após ter sido nomeado como ouvidor foi a de se criar uma identidade própria desta zona em que as pessoas se sintam em casa quando vão à paróquia vizinha. Digamos que criar o sentido de vizinhança muito próprio na época nos nossos avós. Era um valor muito comum principalmente nas zonas rurais e que agora começam a desaparecer.

Com a celebração do Centenário da Ouvidoria nada melhor que proporcionar este desafio às comunidades gerando um programa dinamizador e que percorre todas as paróquias e curatos da ouvidoria cabendo a cada padre da equipa desafiar as pessoas das suas comunidades a estarem presentes e a participarem da mesma alegria dos outros. Este desafio tem funcionado. Claro que é como tudo na vida… leva o seu tempo a amadurecer e a dar fruto. Mas no meu ver a ouvidoria esta a dar os seus primeiros passos num bom sentido e como equipa queremos e comprometemo-nos a continuar a trabalhar neste sentido.

 

  1. Quais as principais transformações que foram acontecendo ao longo deste século na Ouvidoria e como foi esta ultrapassando as mesmas?

 

Bem... quanto a isso não sabemos de forma precisa quais foram as transformações que foram acontecendo neste século de história atendendo que um século não é um ano. Contudo há transfornações que nos vamos apercebendo e mesmo no diálogo com as pessoas mais idosas que falam com grande valor do seu tempo. Normalmente as pessoas dizem isto: “passavamos muita miséria, mas eramos mais felizes… as coisas tinham mais valor para nós”. Nota-se um certo des-compromisso com a vida social e até mesmo eclesial. Os problemas sociais invadem as comunidades e as pessoas vivem angustiadas, algumas sem perspectivas do futuro e outras somente a viver um dia de cada vez. É dificl dizer estas coisas, mas é como as coisas são. Criou-se o egocentrismo pessoal em que as pessoas olham hoje para si próprias sem quererem saber se o outro está bem. Se precisa de algo. É a lei do quanto mais tiveres mais tempo sobreviverás.

Obvio que isto não acontece somente aqui. É um problema que hoje afeta todas as ouvidorias e que nos faz pensar e a pensar para arranjarmos formas de fazer ver às pessoas o melhor caminho a seguir para sair deste bem instalado comodismo social. Com o mundo dos media, da internet toda a informação chega a qualquer lugar, seja ela verdadeira ou não. E isto acontece com o cristianismo. Muito se tem dito. Muitas interrogações se geram sem fundamento algum principalmente na camada jovem. O interrogar é bom. O que não é bom é permanecer com a interrogação sem fazer caminho para a esclarecer. Contudo a ouvidoria tem proporcionado desde algum tempo formações, encontros que ajudam a clarificar as verdades da fé.

Finalmente, e no meu ver, aponto duas as transformações principais: trasnformações sociais como já expliquei anteriomente e, que estas, não se ultrapassam de um dia para o outro, atendendo que os governantes impigem-nos leis contra a vida, contra os valores morais, contra as regras a que fomos educados quando eramos crianças, e as transformações familiares que afetadas pelas transfomações sociais. A familia é uma célula bastante complexa que é obrigatoriamente influenciada pelo factor social. Seja ele bom ou mau. A familia de hoje terá de aprender a absorver os valores mais nobres que estão a faltar. Ultrapassar tudo isto não é facil. Nem para um pai, nem para uma mãe, nem para os filhos…

 

 

  1. Há quem diga que os templos estão vazios. Sente isso na sua Ouvidoria? Considera que esta situação poderá estar relacionada com uma alteração do exercício da fé cristã ou trata-se de uma falta de adaptação por parte de Igreja aos novos desafios das sociedades?

 

Em certa parte. Não totalmente. Vivemos uma fé sazonal. Não digo isso por relação a todos, mas alguns que se deslocam às celebrações somente em grandes acontecimentos: Natal, Semana Santa, Festas de Verão, Sacramentos. Com isto não se pode descorar da fé das pessoas nem as colocar de parte. O caminho é evangelizar e marcar positivamente quem nos aparece nestas celebrações. Vejamos que aqueles que vão ao pé de Jesus não tinham regularmente uma pratica religiosa. Contudo Jesus não os excluiu, mas acolheu-os, aceitou-os e propos a mudança. É por ai o caminho. Não estamos em tempo de julgar. Nem de medir a nossa fé pelo numero de pessoas que enchemos ou não as igrejas, mas pela qualidade. Pelas pessoas que estão disponiveis, em primeiro lugar, para ouvir a Palavra de Deus; em segundo para participarem dignamente da comunhão sacramental e por último a abirem-se ao compromisso de viver segundo os valores que Cristo lhes apresenta.

No que toca á segunda questão acho que mais que uma questão de falta de adapatação da igreja, que acho, de longe, não ser este o problema, até porque a igreja se tem adapatado bem aos tempos atuais, o problema consiste na falta de valores das próprias pessoas que deixaram de acreditar em si próprias. Estão voltadas e agarradas a um materialismo mundano e esquecem-se da outra parte, a espiritual. «Nem só de pão vive o homem» já nos dizia Jesus Cristo. Não deixar-nos envolver num bando de aves desorganizado onde umas acabam por chocar com as outras e caem feridas e outras mortas. Somos seres que não podemos em momento algum descorar da ligação com o nosso criador. Todos os seres precisam da luz do sol para sobreviver. O nosso espirito precisa da luz de Deus para continuar na fortaleza e a ultrapassar tranquilamente a desorientação social que se tem criado desde alguns anos para cá.

 

  1. Os fiéis açorianos continuam crentes?

Sim. O povo açoriano é, na sua esmagadora maioria, um povo crente. Sem duvida alguma.

 

  1. Como tem a sua Ouvidoria sentido os problemas sociais locais?

 

Os problemas sociais tem invadido as nossas comunidades como já disse anteriormente. No entanto a ouvidoria tem envoluido no sentido de criar polos de apoio a familias desustruturadas, a jovens que seguiram o caminho da droga e familias que passam por grandes necessidades. Na ouvidoria existe o Centro Comunitário Cais do Remar sedeado nos Fenais da Ajuda e que tem desenvolvido um forte papel no acolhimento de familias abertas à fomação, a jovens que querem ter sucesso e qiue preciso de novas oportunidades, de crianças que precisam de acompanhamento escolar. Tudo isto e feito e acompanhado pelas Irmãs Doroteias que trabalham cá na ouvidoria. Digamos que o Centro Comunitário Cais do Remar é uma mais valia para a freguesia dos Fenais. As próprias pessoas já não se identificam sem a presença daquele Centro. Temos vindo a desenvolver um trabalho de direcção espiritual no Centro de modo a que todos os que o desejam fazer faça-no com toda a liberdade. É uma boa experiência que julgo seja para continuar no próximo ano. As pessoas precisam de uma orientação para as suas vidas. Precisam falar dos seus problemas, daquilo que as aflige. Aqui não se trata de fazer uma terapia mas sim um trabalho de orientação.

Outra resposta que temos dado é atraves da Caritas e dos Vicentinos. O núcleo da Cáritas criado em 2012 e que hoje dá apoio a mais de uma centena de familias na Ouvidoria. Neste núcleo insere-se um mebro dos Vicentinos do Porto Formoso que trabalha em equipa com a Cáritas da Ouvidoria. O núcleo tem evoluido num bom sentido de modo a que as pessoas possam procurar, sem problema algum, este tipo de ajuda. Óbvio que existem familias com a “pobreza envergonhada” que vamos sabendo da informação atraves de pessoas mais chegadas e o objectido é não deixarmos de exercer a nossa principal função: ajudar o próximo. Insiro-me neste plural atendendo que sou o assistente deste núcleo e, cada vez mais, sinto que as pessoas precisam de uma mão amiga. De contar a sua vida a alguém que as compreenda e que as ajude.

A falta de emprego tem gerado muita falta de esperança, tem desenvolvido muitas doenças do foro psicológico. A minha preocupação central são os jovens. Preocupo-me muito com o seu futuro. Alguns, por falta de emprego na sua área cá, acabam por emigrar à procura de soluções para a sua vida. Isto faz com que acabemos por ter uma população envelhecida atendendo que as perspectivas do mundo de trabalho cá são muito limitadas.